A independência do banco central vai impedir os avanços sociais?

O assunto da independência do Banco Central (BC) tornou-se polêmico nas últimas semanas devido à entrada da candidata do PSB, Marina Silva, na disputa presidencial. Economistas e gestores experientes, como o Henrique Meirelles, que foi presidente do BC durante o governo Lula, já se declararam a favor de maior independência  para o BC (veja aqui).

Mesmo assim, boatos e mentiras espalham medo e ansiedade sobre os efeitos supostamente malignos da independência do BC. Devido a esta campanha de desinformação, naturalmente há uma certa confusão sobre o assunto. Por exemplo, representantes de alguns partidos políticos estão fazendo propaganda, afirmando que a independência do BC vai impedir os avanços sociais.  Poderia isso ser verdade?  Caso afirmativo, por que pessoas reconhecidamente competentes, como Henrique Meirelles, manifestam-se a favor da independência do BC? Onde está a verdade?

Sendo cientista, tendo a abordar qualquer questão sobre o mundo observável do ponto de vista empírico e experimental. Sempre me pergunto: Para onde os dados apontam? No fundo no fundo, o método científico nada mais é do que a acareação entre teorias e dados experimentais. Muitas teorias já foram derrubadas no confronto com os dados empíricos. Neste caso, os dados sugerem que a independência de um banco central não prejudica os avanços sociais. Muito pelo contrário.

Mesmo sem entrar em detalhes, o leitor pode chegar a uma conclusão independentemente, simplesmente olhando para os polos extremos no espectro de políticas econômicas adotadas em países diferentes. Por exemplo, podemos comparar a qualidade de vida, IDH, etc. nos países com e sem bancos centrais independentes. Então, vamos considerar exemplos extremos: (1) Países com bancos centrais quase totalmente independentes e (2) países com bancos centrais marionetes.

A União Europeia, os EUA, o Reino Unido e o Japão têm bancos centrais independentes. Esses bancos centrais agem sem interferência do governo e são imunes à pressão por grupos com conflito de interesses. Esses países foram pioneiros em conquistar a independência de seus bancos centrais. Sem exceção, são países ricos e com baixas taxas de pobreza, analfabetismo, mortalidade infantil, etc.

Podemos também olhar para os países onde os bancos centrais são marionetes do governo. Venezuela é exemplo de um país onde o banco central vem perdendo autonomia: O governo manda no banco central e faz o que bem quer. Zimbabwe é outro país onde o governo interferiu na atuação do banco central. Em ambos países, o governo tem amplos poderes para ditar as regras e passar o rolo compressor por cima de qualquer questionamento técnico dos economistas que trabalham na instituição. A situação é bem diferente nos países que tem um banco central independente. Por exemplo, nem mesmo o presidente dos EUA, Barack Obama, tem o poder para ajustar as taxas de juros do banco central americano  (Federal Reserve).

Temos então os exemplos extremos de países com e sem bancos centrais. Milhares de brasileiros e pessoas de outras nacionalidades tentam imigrar todo ano para os EUA, para a Europa, e até mesmo para o Japão. Mas quantos brasileiros sonham em imigrar para Venezuela ou para Zimbabwe?

Se o leitor está convencido, então por que os políticos resistem à ideia de um banco central independente? Será que os políticos dos partidos que são contra a independência do BC estão tão enganados? Eles não conseguem distinguir entre uma Venezuela e um Japão, ou entre Zimbabwe e Europa? O leitor deve estar pensando que, certamente, deve haver alguma razão boa e bem pensada contra a independência do BC. Tantos políticos não poderiam estar todos errados! A final de contas, quem esse tal de Henrique Meirelles acha que ele é? O leitor pode estar pensando:  Se estudarmos com mais cuidado os detalhes de como funciona um banco central, certamente iremos encontrar boas razoes para manter o status quo ante.

Mas a resposta é bem mais simples.  A verdade é que todos esses políticos estão enganados. Ou pior, agem por interesses diferentes do interesse público. Havia uma época quando quase todo mundo acreditava que o sol girava em torno da terra. Nem por isso era verdade. Da mesma forma, acreditar que um BC independente vai impedir os avanços sociais não faz com que isso seja uma verdade.  Opinião popular não é um bom indício de veracidade.  A única fonte de conhecimento sobre o mundo observável é o método científico.   Para saber a verdade, temos que estudar os dados.  Os dados, diferentemente dos políticos, não mentem.

Trabalhei por mais de uma década na área de pesquisa que ficou conhecida como Econofísica, estudando fenômenos econômicos do ponto de vista da Física de processos estocásticos. Meu interesse principal tem sido as propriedades estatísticas de retornos financeiros.  Minhas publicações sobre o assunto podem ser encontradas aqui. Uma taxa de juro, no final das contas, nada mais é do que uma taxa de retorno financeiro. Considero-me, portanto minimamente equipado para discursar e opinar qualificadamente sobre essa questão da independência do BC.

A seguir, vou resumir, de forma extremamente condensada, o principal argumento a favor da independência do BC.  Na maioria dos países com bancos centrais independentes, o governo fixa a meta de inflação e o banco central administra as taxas de juros para tentar atingir essa meta de inflação. O governo não interfere nessa atuação. Os critérios que norteiam as decisões sobre as taxas de juros são relativamente transparentes. Os agentes econômicos, portanto, têm o luxo de poder planejar para o futuro, sabendo o quanto esperar da taxa de inflação anual. Essa previsibilidade gera confiança na meta de inflação, o que concede credibilidade ao BC e logo também ao governo.

O efeito colateral mais importante desse aumento da credibilidade  e da confiança é a redução da taxa de juros do BC. A razão é simples: Os investidores, o empresariado, os especuladores financeiros, os trabalhadores e todos os outros agentes econômicos perdem o incentivo para apostar suas fichas numa inflação diferente da meta de inflação. Assim, as taxas de juros (como por exemplo a taxa SELIC no Brasil) necessários para garantir a meta de inflação acabam sendo significativamente menor em países que têm bancos centrais independentes, comparados aos países sem bancos centrais independentes.

Simplificando um pouco o argumento, a independência do BC gera otimismo e segurança com relação à previsibilidade de inflação. Já a falta de independência gera desconfiança e insegurança pois ninguém sabe quanto será a inflação. Na verdade, nos países com bancos centrais marionetes, os agentes econômicos simplesmente não confiam nas projeções de inflação do governo. Quantos brasileiros já compraram dólares para fazer “hedge” contra a inflação? Às vezes, nem mesmo as estatísticas do governo são confiáveis. Na Venezuela, por exemplo, a inflação real hoje é bem maior do que a taxa de inflação oficial. O governo faz uma maquiagem para esconder a inflação. Em resumo, quando um banco central não pode agir independentemente do governo, o preço cobrado é maior para controlar a inflação.   Há situações em que nada garante que a inflação ficará sob controle, como por exemplo na Venezuela ou em Zimbabwe.

Um banco central independente é um dos vários ingredientes que fazem um país ser economicamente próspero e socialmente evoluído. Por que, então, o Brasil ainda não tem um BC independente? O custo de um banco central independente é mínimo. Os benefícios são enormes, pois a inflação é um mal que atinge principalmente as classes mais pobres. Um BC independente também ajuda a economia a crescer, da seguinte maneira: Com as expectativas da inflação futura sob controle, as taxas de juros do BC ficam reduzidas e juros baixos ajudam a economia a crescer.

Henrique Meirelles, durante os anos do governo Lula, teve total autonomia operacional no BC e consequentemente a inflação ficou sob controle, como deve se esperar. No entanto, sob seu próximo presidente  o BC teve uma atuação bem diferente inicialmente. Mesmo com a taxa de inflação acima do centro da meta de inflação de 4,5%, o BC baixou a taxa SELIC sem nenhuma explicação que fazia sentido.  Exatamente como a teoria prevê, a inflação subiu e quase estourou o teto da meta de inflação, de 6,5%. O que poderia ter levado o BC a agir desta forma tão irracional? A única explicação plausível é também a reposta mais óbvia:  A decisão veio de cima. Quando deu no que deu, o BC novamente elevou a taxa SELIC o hoje pagamos o troco em triplo: (1) inflação alta, (2) juros altos e (3) economia em recessão técnica.   O Brasil literalmente pagou caro para aprender essa lição importante sobre a necessidade da independência do BC.

Frente ao exposto, venho aplaudir a coragem e o acumen  de Henrique Meirelles e de Marina Silva.  Apoio 100% a proposta de um BC independente.

O Brasil merece.


Agradecimentos: Tiago Viera, Carlos Chesman e Claudionor Bezerra  contribuíram com comentários e correções.

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